Relato da Ligia

O dia em que a Clara chegou e eu nasci de novo
Esse é o meu depoimento sobre o parto da minha filha Clara.
É um longo depoimento.
Custou-me alguns dias até estar apta a falar sobre ele, tanto porque ainda estou tentando criar um novo esquema logístico de vida, quanto porque tem um componente emocional fortíssimo pra mim. Mas já aviso que a moral da história – se é que se pode chamar assim as conclusões que pude tirar de toda a experiência – vem antes mesmo do depoimento. Aprendi que somos muito mais fortes do que parecemos ser, que somos feitos de garra e persistência, mesmo quem ainda não conhece esse lado; aprendi que flexibilidade é uma das características fundamentais da sobrevivência da espécie; que mudança de planos em momentos importantes podem garantir, sim, a sua felicidade; que a vida tem um curso que é só dela e que foge totalmente do nosso controle; que seguir o rumo que a própria vida quer é natural e que resistir a ele é que traz sofrimento. Quando nos entregamos à vida, tudo parece mais leve e tranquilo. Lógico que incorporar isso à nossa vida diária é que é o grande desafio, mas ter a consciência de que isso existe pode ser tão importante quanto.
Na quinta-feira passada, dia 29 de julho, recebemos a terceira visita pré-parto das enfermeiras do Hanami, que nos assistiram durante o pré-parto, o parto e, agora, o pós-parto. Dessa vez veio a Vânia. Ela me examinou, viu que a Clara já estava encaixada e que já havia dilatação. Mas constatou que a bebê ainda estava um pouco alta, o que poderia indicar que alguns dias ainda seriam necessários, para que ela pudesse descer. Ela foi embora de casa por volta do meio-dia e a vida seguiu. Eu com um projeto pra terminar e enviar até as 18 horas, mais ou menos. Sentei e continuei o trabalho, lendo artigos, escrevendo, organizando ideias. Por volta das 14:30, senti uma cólica bem forte, como se fosse uma cólica menstrual, instestinal, sei lá que cólica, mas senti. Avisei o marido, que trabalhava ali do lado. «Amor, me deu uma coliquinha», e ele «Vai nascer?!», bem ansioso. E eu «Acho que não, coisa bem leve». Ele: «Eu acho que ela chega hoje». Olhei pra ele e percebi que ele estava intuindo alguma coisa… Continuei estudando. Logo mais, somente alguns minutos após, senti outra. Avisei. E daí por diante continuei a sentir cólicas, sem ritmo, mas sentia. Comecei a anotar o horário de cada uma delas, ali meio na surdina. Resolvi avisar quando já tinha anotado 20 episódios, todos sem regularidade. Disse apenas: «Amor… olha, talvez seja melhor enviar a charge ao jornal mais cedo…». Ele parou o que estava fazendo, olho pra mim, ficou me olhando sério por um tempo e disse, finalmente: «É ela né? A Clarinha vem hoje. Vâmo lá, vâmo arrumá o ninho. Levanta daí, gata. Vâmo lá». Levantei, senti uma dor um pouco mais forte, apoiei na mesa e pensei: «É a minha filha mesmo. Vem, filha, tô pronta».
Por volta das 18 horas mais ou menos, as contrações continuavam – agora eu já sentia que eram mesmo contrações. Liguei pra Vânia, pra saber o que eu deveria fazer. Estava muito mais calma do que pensei anteriormente que estaria nessa hora, fruto de todos os meses de preparação prévia, eu acho… Eu nem acreditava que eram contrações, porque, afinal, todo mundo sempre falava sobre a imensa dor do parto e tudo mais. E não era imenso o que eu estava sentindo não, era absolutamente suportável. Mais do que suportável, era mágico, porque era impregnado do sentimento de que, ali, minha vida mudava para sempre. Se esse era o tal do trabalho de parto, que bom que ele era. Aquilo não era dor. Era outra coisa, para a qual não existia nome… Estava muito, muito tranquila. Liguei pra Vânia, que me mandou tomar um banho bem longo, de uns 40 minutos, e observar como ficavam as tais dores, se persistiriam ou se parariam. Fui lá. Eu e meu marido pra debaixo do chuveiro, juntos. O astral e a energia da casa começava a mudar… Tomamos o banho. Choramos. Foi muito emocionante. Não precisávamos conversar. E as contrações continuavam, mesmo saindo do chuveiro. E agora tinham um certo ritmo. Era a Clara que estava chegando… Eu já a sentia ali. Meu instinto havia mudado.
Meu marido fechou toda a casa. Nos sentimos como gatos prestes a parir mesmo. Ficamos dentro de casa como em um casulo. Tudo fechadinho, quietinho, escurinho. Deitamos pra descansar e dormimos um pouco. O marido com papel e caneta do lado, marcando as contrações. Mesmo deitada, sentindo aquelas dores que iam e voltavam, ainda me custava crer que eu estava mesmo em trabalho de parto, porque de sofrimento não tinha nada, como as pessoas diziam por aí… Dormi um certo tempo, soninho que era interrompido por dores que chegavam bem de levinho, como uma ondinha, e atingiam seu ápice como uma grande onda. Lá de cima, do pico da onda, vinha eu, tentando domá-la, esperando que virasse uma ondinha de novo até sumir. Cada uma era anotada pelo marido. Até o momento em que ele disse: Li, elas estão com ritmo. A cada 7 minutos vem uma. Será que não era melhor ligar pra elas (as parteiras)? Ele ligou e informou, e a equipe ficou de sobreaviso, preparada. Continuei ali com aquelas sensações. Não pensava em como seria, não pensava em nada. Apenas me concentrava pra ter força e esperar a próxima, que sempre vinha, e procurava a melhor posição na cama, que NUNCA era ficar deitadinha tranquila esperando. Levantava, caminhava, respirava bem fundo. E entre uma e outra eu pedia mentalmente: «Vem dor, estou te esperando. Vem que sou mais forte que você». E ela vinha. E eu era mesmo mais forte. Aguentava firme, pensava na Clara no meu colo, me enchia de lágrimas, e ela passava, me deixando ali cheia de amor e vontade de ver a minha filha. Quando o intervalo entre as contrações diminuiu para 3 minutos e se regularizou, sentimos que tinha mesmo chegado a hora. Acho que a Iara começou a sentir isso de longe, porque nos ligou exatamente nessa hora, dizendo que estava indo pra lá pra ver como eu estava…
Dali a pouco (acho que foi dali a pouco, porque na verdade perdi totalmente a noção de tempo), chegaram Iara e Clariana. Mas eu nem estava mais ali… Já estava em algum lugar no além pra onde as mamães vão esperar a chegada dos seus bebês. Quem ficou foi meu corpo, minha mente já estava longe. Bom, sei que dali por diante seguiu uma série de preparações logísticas aqui em casa. A Iara ligou pra Vânia e pra Renata, que se colocaram a caminho, trazendo tudo o que era necessário. Sei que móveis foram arrastados, botijão de gás foi aceso, gente se movimentando no andar de baixo. Sei disso porque de vez em quando eu percebia, porque lá no meu cantinho de paninhos de gata parindo eu continuava imersa naquela experiência incrível. Naquele momento, passou um grande filme na minha cabeça, no intervalo das contrações. Pensei na minha mãe, que estava longe, nas minhas irmãs e em todo o pessoal que eu amo e que não vive mais aqui conosco, mas do lado de lá da vida. Principalmente na minha irmã Mara e no meu avô. Pedi mentalmente pra eles pegarem a Clara pela mão e a conduzirem com segurança até mim…
Bem, posso ir direto pra parte em que toda elas já estavam aqui com a gente, a casa já não tinha mais jeito de casa e, sim, de uma caverninha onde um bichinho estava pra chegar. Eu já estava pronta, minha Clara já estava pronta, a piscina já estava cheia de água quentinha e a madrugada já estava no meio. Era um frio que Deus mandava, mas eu nem sentia. Não me lembro exatamente da sequência de eventos, acredito que o que ficou na minha memória foram os episódios mais relevantes do meu ponto de vista, mesmo que fora de ordem. Entrei na água quente, as meninas se camuflaram de sofás e paredes, o namorado ficou ali comigo, meio que tentando aliviar de algum jeito o desconforto das contrações. E a cada intervalinho lá vinha uma. O que eu mais pensava era: «pronto, essa se foi e não volta mais. A Clara tá mais perto». Em vários momentos, ali naquela água, eu me via segurando uma corda numa extremidade, e a Clara presa a essa corda na outra extremidade. Cada contração era um puxão que eu dava na corda, trazendo-a pra mais perto de mim. E as horas foram se passando. E o dia chegou. Enquanto todos tentavam descansar e se aquecer, eu estava li naquele mundinho particular, suando, encalorada, firme e forte. Sempre pensando na corda que segurava a Clara. Só era interrompida em alguns momentos em que elas vinham monitorar a atividade da bebê e minha pressão. A Clarinha sempre com fortes batimentos cardíacos que ficavam em torno de 140 e chegavam a quase 150 quando chegava uma contração, sempre bem, sempre forte, nem parecia que era com ela a coisa…
O dia chegou e o cansaço também. E nada da Clara dar a cara. Saí da água e fui descansar, tentar dormir pra recuperar as forças. Já tinha 8 cm de dilatação, o momento parecia estar perto. Deitamos pra descansar, eu e o marido, mas meu sono era interrompido em invalos de tempo para a chegada de mais uma contração. E foi aí que percebi que esse intervalo não era mais regular… Elas vinham, mas eu não sabia mais quando.
A partir daí, as contrações perderam ritmo. Vinham de vez em quando, nem tão fortes, nem tão produtivas. Perdi a noção do tempo a partir daí. E foi quando eu comecei a sentir, fisicamente, no corpo mesmo, que a Clara não estava descendo, que algo a prendia, parecia que era algo grande que não tinha como sair. Essa minha observação pessoal era confirmada pelo exame que elas faziam em mim: Clara estava alta e, embora eu tivesse dilatação quase suficiente, parecia que ela não descia. Alguma coisa parecia prendê-la mais em cima.
A Vânia esteve sempre do meu lado, fazendo tudo o que era possível pra ajudar a Clara a descer. Tentamos de tudo, a partir daí, pra viabilizar o parto aqui em casa: florais, bola suíça, moxabustão, pontos de acupressão. Clara lá em cima. O cansaço batendo. E o meu sentimento cada vez mais claro de que não ia passar… Como última cartada, fui caminhar. A caminhada podia ajudar a descida da bebê, nossa última esperança. Horário: devia ser mais ou menos umas 14 ou 15 horas, eu já estava há 24 horas em trabalho de parto e, sinceramente, ficaria quanto tempo mais fosse necessário. Fomos caminhar, eu e meu marido, dando pequenas paradinhas pra quando as contrações, agora esporádicas, apareciam. E foi quando eu comecei a sentir que não seria mais em casa que a Clara chegaria. E essa decisão estava cada vez mais forte. Cheguei em casa, sentei sozinha com a Iara, que foi uma grande parceira durante todo o trabalho de parto, pra quem eu olhava quando precisava de um incentivo. Conversamos no quintal, olhamos uma pra outra e foi quase desnecessário falar: vamos pra maternidade. Lá eu poderia tentar mais um pouco o trabalho de parto em busca de um parto normal – embora minha intuição já dissesse que era bom eu começar a preparar meu espírito pra um parto, talvez, cesáreo.
Mas como foi difícil a decisão…
Eu o Frank conversamos muito, foi muito difícil mesmo. Mas estava decidido. Estávamos, agora, decidindo pra qual maternidade seguir, em função de várias questões. Foi quando a Vânia lembrou que a Tânia, também parteira e enfermeira da equipe, estava de plantão em uma delas. Ligaram pra ela, que já estava saindo do seu plantão, e ela disse: pode falar pra ela vir que estou esperando. Subi pra me preparar. E foi quando uma tristeza imensa se abateu sobre mim. Chorei rios quando me toquei que minha filha não chegaria mais em casa. Foi um momento muito difícil aquele. Cada item que eu ia colocando na mala, que estava pronta mas precisava ser completada, ia acompanhado de dor e tristeza… Sabia que essa experiência nós não teríamos mais. Pegamos nossas malinhas, e seguimos.
Posso dizer que foi o trajeto mais difícil de toda a minha vida. Eu sabia que estava indo buscar a Clara, mas sentia uma tristeza profunda e dolorida porque ela não chegaria da maneira como a gente tanto tinha sonhado e para a qual tanto tínhams nos preparado. Não entendia o que tinha acontecido… Pensava: o que eu fiz de errado? Porque não consegui? O que está acontecendo lá com ela? Eu não sabia… Sentia-me frustrada e culpada, me entristeci pelo meu marido, que queria essa experiência tanto quanto eu. Mas aí ele, iluminado, falou uma coisa que me fez sair desses pensamentos ruins e repensar o momento: «Vamos lá, vamos buscar a Clara, vamos buscar o nosso nenê, ela está nos esperando, ela não quis chegar aqui, por algum motivo ela precisa que a gente vá até lá». E foi a primeira vez que eu me toquei que, daquele dia em diante, tinha mais uma vontade a ser respeitada: a da minha filha.
Cheguei à maternidade ainda muito tristonha. Cabeça baixa e muito medo – principalmentese tratando de uma pessoa que havia desenvolvido um pânico severo de hospital.
Assim que cheguei, deprimida, à maternidade, tudo mudou.
Porque na porta de entrada estava uma criatura me esperando com um sorriso largo e uma cara de quem anunciava a chegada de um vôo muito esperado ou de quem estava pra te dar uma ótima notícia. Era a Tânia. Pessoa que se tornou inesquecível na minha vida e na do Frank. E se eu não soubesse que era ela, acharia que era alguém enviado do lado de lá pra me dar força e me reerguer nessa hora – e quem sabe não seja mesmo? E a Tânia disse: você é a Ligia né? Vamos lá buscar a Clara? Já está tudo pronto te esperando. A Dra. Daniela está te esperando também. Fui me preparar pra entrar no centro cirúrgico – que até então era um amedrontador mundo para mim, que nunca cheguei nem perto de uma agulha cirúrgica, quanto mais de um procedimento inteiro. Eu não contei pra ninguém, mas tremia de medo. Eu, que até então tinha fobia de hospital, estava dentro de um me preparando pra uma intervenção. Fiquei ainda mais insegura quando a enfermeira que me preparava pra entrar no centro cirúrgico pediu que eu tirasse brincos e afins, inclusive a medalinha de Santa Clara que eu levava no pescoço. Me senti muito sozinha nessa hora, meio abandonada. Mas aí eu perguntei o nome dela e ela disse: Clara. Pedi pra ela me dar um abraço. Ela me deu um abraço bem forte e foi da aparente frieza e indiferença ao envolvimento afetivo, e me disse: «Você é a mulher que está vindo do parto domiciliar, né? Fique tranquila. Depois que a gente vira mãe, tem que se acostumar com mudanças repentinas. Vamos lá. Estando pronta e paramentada, entrei na sala de parto. E foi quando voltei, mágica e imediatamente, praquele lugar pra onde as mamães vão buscar os seus bebês: voltei a sentir as contrações e entendi porque elas reapareceram. A sala de parto estava toda diferente. Havia uma música tocando, não havia muita luz, as enfermeiras estavam todas me esperando com sorrisos, havia ali uma bola suiça, tudo diferente do que eu havia imaginado… Vendo que eu não estava entendendo nada, a Tânia pegou na minha mão e, com aquela voz doce que ela tem, disse: vamos continuar então o trabalho de parto? E aí eu entendi que elas estavam me esperando para que eu recuperasse minhas forças e tentasse mais um pouco o parto normal. Chegou a dra. Daniela e, AO CONTRÁRIO DE TUDO O QUE FUI IMAGINANDO PELO CAMINHO, que talvez fosse recebida por um médico ou uma médica que me encaminharia imediatamente para a cesárea, sem nem querer saber quais eram meus anseios, ela me disse: «Sei que você vem de um parto domiciliar de mais de 24 horas. Quem aguenta esse tempo, aguenta muito mais. Vamos continuar? Vale muito a pena tentar o parto normal mais um pouco, você está com uma ótima dilatação». Eu nem acreditava… contra tudo o que eu havia ouvido de relatos de partos domiciliares encaminhados, eu havia sido respeitada em minha escolha! E aí recomeçou – pra ver a importância do componente emocional nesse momento, de se sentir respeitada e amparada – voltei pro mundo de lá. Contração, contração, contração. Fortes, ritmadas. E a Clara não descia. E eu continuava a sentir que ela estava, e alguma forma, presa. Após mais 3 horas, eu voltei pro mundo de cá movida por uma força imensa, por uma intuição fortíssima, e disse: quero fazer uma cesárea. Era como se eu tivesse sido instruída no lado de lá, como se alguém tivesse me esclarecido o motivo pelo qual a Clara não descia – mesmo que eu não processasse conscientemente. E veio a força da decisão: eu queria que me operassem e tirassem logo a minha filha. Meu marido, nessa hora, encheu os olhos de lágrimas e disse: «Mas e você?! Você quer tanto um parto normal…» Mas eu não sabia o que estava acontecendo, o porquê daquela minha decisão tão forte, mas estava pronta pra uma cesárea e disse pra ele: tudo bem, eu tô pronta, vai dar tudo certo, só quero que tirem a Clara logo, ela precisa sair já.  Não sabia porquê, mas veio uma angústia forte no meu peito nessa hora. Virei pra médica e disse: vamos tirá-la daí já. Acho que ela percebeu que tinha me dado uma angústia e teve o mesmo insight que eu: foi avaliar os batimentos cardíacos da bebê. Os batimentos, que sempre estiveram tão fortes, tão regulares, tão poderosos, agora estavam mais fracos, caíram pela metade. Ela olhou pra mim e disse: Vamos? E eu: Tô pronta. Vamos fazer o que é preciso fazer. É pra iso que existe a cesárea.
E lá fomos nós…
E era como se eu tivesse decidido pelo parto cesáreo desde sempre, tamanha era minha segurança.
Dali a poucos minutos, após todos os procedimentos técnicos – muitos e variados, sobre os quais eu não sinto nenhuma necessidade de falar, porque são irrisórios frente ao que aconteceu comigo depois -, senti que era a hora e que ela estava pra sair. A Tânia me disse: é agora. E eu fiz o que a Vânia me sugeriu: fechei meus olhos bem forte e pensei que ela estava saindo de mim como precisava sair, que era isso que ela tinha escolhido, e que a vontade da minha filha era mais importante do que a minha. Imaginei que ela estava passando pelo canal de parto. E foi tão forte isso que era como se ela tivesse vindo sozinha, sem ninguém tirá-la de lá.
Meus pontos de referência eram a Tânia e o marido, pra quem eu olhava pra saber se estava tudo bem. E eu só queria saber se estava tudo bem com ela.
De repente, eu olho pro Frank e tá lá ele com uma cara de espanto-espantíssimo. E eu perguntando: como ela tá? Como ela tá? E ele com dois olhos arregaladíssimos e boca aberta, só conseguiu olhar pra mim e dizer, meio paralisado, com as mãos levantadas: Ela é enooooorme! Ela é enoooorme! E eu querendo saber se estava tudo bem com ela. Até que ele relaxa os ombros, olha pra mim e diz: Ela é liiiiiiiiiiinda!
Aí eu respirei fundo.
E aí vem um médico do meu lado, com minha filha no colo, e me disse:
«Taqui, mamãe, olha que linda. Olha porque ela não descia. Olha aqui a cabecinha do seu bebezão!»
E vi a minha filha. A minha enorme filha com uma cabecinha bem redonda.
Clara, toda grandona, nasceu com um perímetro cefálico de pouco mais de 37 cm. Por isso ela não estava descendo: desproporção céfalo-pélvica. A média dos perímetros cefálicos dos bebês gira em torno dos 35 cm. Ela ficou presa, não conseguiu descer mais. Minha intuição estava certa.
Eu, que sou toda chorona e todos sabem que sou assim, não derramei nenhuma lágrima nessa hora. Fiquei olhando a Clara chorar e disse no ouvindo dela, bochecha com bochecha: Que bom que você chegou, minha filha. Você é a Clara. Eu sou a mamãe, a voz que você ouvia todo esse tempo. Sua vida vai ser linda e eu estarei do seu lado sempre. Não precisa mais chorar.
E ela parou.
Eram quase oito horas da noite do dia 30 de julho.
Meu presente de aniversário havia chegado. E era um presente incrível.
E eu nasci de novo ali naquela mesa.
Quem eu sou agora eu ainda não sei. Ainda estou muito confusa. Tem um turbilhão de coisas se processando dentro de mim. Mas cada vez que eu olho aquele narizinho, aqueles olhinhos puxados e aquela boquinha, parece que ela sempre esteve aqui comigo…
Tudo foi diferente do que eu imaginei. Inclusive ela, que superou todas as minhas expectativas. E me fez começar a achar que sou uma pessoa boa, merecedora de coisas boas na vida. Se não fosse, Deus não me daria um presente desses… Sei que vou processar tudo o que preciso processar só daqui a um tempo, mas já sinto algo muito importante: vida de mãe é isso também, deixar seus anseios e vontades algumas vezes de lado e priorizar o bem estar e a saúde do seu filho. Temos, pra isso, talvez a maior ferramenta possível: a intuição. Mas é preciso estar muito conectada consigo para ouvi-la.
Minha filha chegou.
Agora começam duas vidas. A dela e a minha nova.
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