Relato da Priscila


Uma vez ouvi Michel Odent dizer que o parto não tem adjetivos, «parto é parto».
Seja aonde for, venha de onde vier, uma mamífera necessita intimidade e segurança para parir.
Neste espaço gostaria de compartilhar as experiências de diferentes mulheres e de seus partos.
Mulheres que vivem em continentes diferentes, cada uma com sua própria biografía porém, no final das contas, são todas mamíferas e agora mães.
Os textos mostram seus partos, seus pensamentos naquele momento, desejos, medos e crenças.
Que estes relatos possam ser lidos com o coração aberto e com entendimento, respeitando o desejo de cada uma.
Parto é parto porém há diferentes formas de acompanhar esse processo.
Pesquise e conheça a equipe que mais se aproxima aos teus desejos e necessidades para que seu parto seja respeitado como todo ser humano merece.

O primeiro relato em português é da Priscila e do Safir!

a chegada de safir

desde os 7 meses de gestação, eu vinha sentindo as contrações de ensaio.
até pensava que esse neném fosse nascer prematuro, aliás, as ultrassonografias confundiram
a todos com seus cálculos de tempo de gestação pelo tamanho e desenvolvimento do bebê.
por causa delas, adiantamos quase em 3 semanas a nossa espectativa para o parto. (por isso,
recomendo pensar muito antes de “acreditar” no que as ultrassonografias dizem e se estas
são realmente necessárias, tendo uma parteira por perto. no próximo filho, já sei o que
quero: fazer apenas a primeira, para saber se tem feto ali e se ele está no lugar certo. o resto
é entre a parteira e eu.)
bem, a ansiedade ficou enorme em torno da 39ª semana de gravidez e com a chegada das
enfermeiras obstetras – parteiras (elas começam o acompanhamento semanal em casa,
apartir da 37ª semana) fizemos os cálculos novamente, desta vez, considerando a data
prevista para o parto, que a primeira ultrassonografia (de 12 semanas) continha, ou seja,
quase 3 semanas a menos.
com a mudança da data prevista para o parto, a ansiedade tomou conta dos amigos e
familiares que ligavam e enviavam e-mails perguntando: “e aí, safir nasceu?” e eu e meu
marido tendo que contar toda a história das ultrassonografias repetidas vezes…
com 40 semanas e 2 dias, aproveitamos uma ida à floripa (estávamos em governador celso
ramos – 40min da ilha de florianópolis) pra fazer uma consulta com duas integrantes da
equipe de 7 parteiras, enfermeiras obstetras (nesta noite, na casa da iara, com a presença da
vania). durante esta consulta, no elicado e doloroso “toque” da vania, como ela mesma disse,
houve uma conversa com o SAFIR, aonde ela “liberou o canal energético” pra estimular o
parto.
UIII! ali doeu! senti uma contração de verdade na ora! UAU, QUE DOR! na alma também,
porque ficou claro que haviam realmente travas emocionais que me impediam de parir.
afinal, eu já estava com 5cm de dilatação e nada… (pra quem não sabe, para parir uma
mulher precisa de 10cm de dilatação, ou seja, já tinha percorrido este “caminho” pela
metade, mas o franco trabalho de parto não havia começado ainda!).
até este dia, andei diariamente na praia, nadei muito no mar, pulei ondas, rebolei, subia
rampa super íngreme quase todos os dias e nada! ao terminar a consulta, vânia disse: “está
na hora de você passar da posição de filha, pra de mãe. assuma isso, liberte-se da criança,
deixe a mulher chegar dentro de você.”
aquela “ordem” ficou na minha mente…
a volta pra governador celso ramos de carro e sem engarrafamento,leva aproximadamente
40min. naquela noite em que saímos da casa da iara por volta de meia-noite, parece que
levamos 10minutos pra chegar em casa. o motivo foi que eu mergulhei tãofundo em meus
pensamentos que nem percebi o caminho de volta, e nem o tempo.
eu tinha que exorcizar todas as minhas travas, pra tornar este parto normal em casa,
possível. fiquei analisando o que poderiam ser estas travas emocionais e me despedi delas.
dei tchau mesmo! pensei que elas seriam apartir daquele momento, apenas passado. parte da
minha historia e não mais algo do presente.
trabalhei meus medos da forma mais verdadeira que pude. Soltei muitos gritos interiores do
tipo “medo, saia daqui agora. tchau!” chegamos em casa, tomei aquele banho quente de
aliviar qualquer dor no cóxix de grávida de 40 semanas. dormi como um anjo, junto
de meu marido (urs).
em pleno sono profundo… uma grande pontada! DOR! ai, que dor! quase 6hs da manhã,
aaaaaaaaaaaaaahhhhhh! tentei ir ao banheiro que fica ao lado do quarto e no caminho tive
que me agachar 2 vezes. não consegui fazer xixi normalmente, ele saía de pouco em pouco,
junto com a dor. acordei o urs com um grito de dor. esta força vinha e ia embora.
2min de intervalo, no máximo entre uma e outra. aaahhhhhhhhh.
não dava mais para raciocinar. pensei: “a hora chegou, não pode ser alarme falso!”
me concentrando na respiração (era bem difícil respirar!), disse:
– “urs, liga pra iara e fala o que está acontecendo.”
e assim ele fez. quando ela disse pra eu entrar debaixo do chuveiro quente e tentar voltar a
dormir, eu ja tinha feito isso duas vezes, mas os intervalos das contrações estavam muito
curtos e isso me assustava porque sempre li e ouvi que as contrações com dor começariam
com grande intervalos e depois estes iriam diminuindo gradativamente, mas comigo tudo
explodiu e começou sem esta regra valendo…
eu não conseguia mais conversar ou fazer qualquer outra coisa, a não ser SENTIR e perceber
aquele momento dentro de mim. Toda aquela dor era minha e eu não podia deixar de vivê-la.
eu já estava esperando por ela a semanas e tinha que suportá-la pra conhecer meu filho.
então me concentrei mais do que nunca e decidi me entregar pro universo. mentalizei meu
pai (falecido em 2009) e pedi ajuda para a natureza, criadora dos homens. eu sabia que a
maratona só estava começando e eu tinha que aguentar até o fim!
iara pediu pra que o urs ligasse 40min mais tarde, dizendo se a situação continuara ou não.
30min depois eu disse pro urs:
– “se elas não chegarem logo, não vai dar tempo. Esse neném está nascendo mesmo! eu estou
sentindo a cabeça descendo!” ele ligou pra ela novamente e ela disse:
– “então estamos indo agora!”
enquanto elas não chegavam, eu ia da privada pro chuveiro (sentada no chão, as vezes de
cócoras apoiada na parede do boxe) com a água super quente caindo sobre minha barriga. ali
quase vomitei meu estômago. eu colocava a mão no períneo e sentia a cabeça do neném
chegando cada vez mais perto em cada contração. a cada vez que eu sentia aquela pressão
toda, saia mais algum vômito ou fezes. neste momento, tudo queria sair do meu corpo.
eu pensava: a expulsão está acontecendo mesmo! não é sonho, chegou a hora e eu quero
estar DESPERTA.
quando elas chegaram (por volta de 9hs), meu intestino e estômago já estavam vazios. a
barriga dura estava na altura da pélvis. parecia uma melancia abaixo do umbigo.
não tinha mais volume acima do umbigo, era tudo ali embaixo.
a natureza é grotesca e divina. e neste momento, tinha certeza de que o que tivesse de
acontecer, aconteceria de qualquer forma. EU era apenas um veículo que precisava respirar
GRANDE e devagar.
eu estava no quarto e a vânia veio direto fazer o toque e falou:
– “10 cm de dilatação! priscila, vamos fazer um parto rápido e
fácil… tudo que tinha pra dilatar já dilatou.”
ouvi a iara perguntar lá da sala:
– “vai dar tempo de montar a piscina?”
a vânia respondeu:
– “monta e enche logo!”
entre uma contração e outra eu via aquela correria na sala,mangueiras, água,
bomba pra encher a piscina inflável com revesamento de pernas (bombeada com o pé),
panelas grandes, aaaaahhhhhh… QUE DOR! eu não queria saber demais nada no mundo em
que eu estava, não haviam palavras nem significados.
a partolândia é realmente um estado além mental aonde não se pensa, apenas se age sem
questionamentos. eu mudava de posição a cada contração: “de 4”, em pé em cima
da cama pulando, em pé no chão enclinada pra frente, de cócoras no chão (aliás, no nosso
corpo tudo se abre neste momento, nunca tive um cócoras tão aberto, que flexibilidade!)
piscina montada e cheia de água quentinha gostosa, banco de parto pelo caminho (um
banquinho que tem um formato de lua crescente, aonde vc pode ficar quase de cócoras sem
precisar suportar o peso do corpo com as pernas), equipamentos por toda parte (só pude ver
de forma bruta, pois na partolândia não se consegue ver muita coisa além de si mesma),
parecia um acampamento de adolescentes pela quantidade de mochilas e bolsas de viagem
por toda a sala. aquelas “deusas” tinham tudo o que precisavam.
quando uma delas me falou:
– “pronto pri, pode entrar na piscina!”
aaaaaaaaah que alívio! quase me joguei naquela água quentinha.
foi alí que pude abrir os olhos e vê-las trabalhando. Todas vestidas de rosinha claro com
vinho, uma delas secando meu suor no rosto com uma bolsinha atoalhada de gelo. eu pedia
gelo pra COMER, quebrava o gelo com os dentes com aquele barulho de quebras mais
profundas dando o som do momento ao ambiente.
bebia água aos litros, quase congelada. meu corpo virou uma grande pulsação na cor
vermelha explosiva. eu estava conectada com todo o universo.
não lembro de todos os momentos, porque como disse anteriormente, num momento como
este, viramos bicho e bicho não pensa.
lembro que numa das minhas idas e vindas da cama pra piscina (foram muitas) no meio do
caminho a bolsa das águas estourou (por volta das 11hs – de acordo com o relatório das
parteiras).
escorreu toda aquela água quente pelas minhas pernas. eu continuava andando pra lá e pra
cá, rebolando, agachando de cócoras segurando na grade do berço (que era emprestado) pra
ajudar o cócoras…
as horas iam passando e eu só ouvia da iara:
– “muito bom pri, isso mesmo! continua botando força nessa prensa!”
mas se estava tudo certo, porque o safir não nascia logo?
a duração média de um trabalho de parto natural (primeiro filho) é de 10hs. sabendo disso,
eu contava as horas a cada vez que eu ouvia as enfermeiras anotando no relatório o que
estava acontecendo naquele TRABALHO de parto. fiquei feliz ao perceber que pra mim o
tempo estava passando bem rápido. na partolândia a dimensão do tempo também muda.
na piscina, o relaxamento era tanto, que as contrações perdiam a tal “força de prensa”, e eu
tinha que fazer muita força mesmo, e estava ficando esgotada. eu não falei pra ninguém mas
em meus poucos pensamentos só cabia a frase: não to aguentando, meu filho vem logo pros
meus braços! mamãe tá aqui dando de tudo por você, então chega forte!
fiquei chamando: vem safir, vem safir…
por volta das 13hs, vânia me explicou que a minha “força de prensa” não estava suficiente
pra empurrar o neném pra fora e me perguntou se eu aceitaria tomar ocitocina pra ajudar nas
contrações. eu não queria nenhum tipo de medicamento, mas naquela altura do
“campeonato” (aproximadamente 7hs de trabalho de parto) eu já afrouxei bem os meus
princípios e o que mais importava mesmo era ter o meu bebê nos braços em casa, com saúde
e logo!
alguns minutos depois eu levantei da piscina, e fui pra cama.
me faziam perguntas, mas eu nem ouvia direito o que estavam querendo saber.
sei que todos estavam me seguindo, com toalhas e o medidor de batimentos cardíacos do
bebê (que eu detestava, pedia pra não colocar, mas foi a única coisa que as “deusas”
me “obrigaram” a aceitar). na cama de barriga pra cima, coloquei a mão de novo no
canal de parto e vi que faltava pouco. mas a cada contração elas empurravam minha barriga
pra cima. eu me perguntava porque pra cima e não pra baixo? não falei nada, só pensei.
o cansaço era tanto, que economizava minha energia para ajudar o safir a sair.
e chegou uma hora a vânia falou: “priscila, seu filho tem que nascer agora. e ele quer nascer.
só depende de você!”
quando ela falou isso, olhei pra baixo e vi uma água verde escura saindo. então pensei: ai,
caraca, mecônio!!! (material fecal de cor esverdeada bem escura produzida pelo feto, que se
engolido pelomesmo, pode causar sofrimento fetal, infecções e outras coisas
terríveis)! pensei: “se não nascer agora, safir pode engolir isso e sofrer riscos.”
então neste momento o safir já estava coroando, elas me colocaram de lado para evitar
lacerações no períneo. eu coloquei uma mão no rosto e a outra sobre a mão do urs que estava
o tempo todo ao meu lado ou atrás de mim me ajudando com as posturas e com o suor (que
era muito!). decidi que era a hora de gritar e colocar ele pra fora. fiz a maior força da minha
vida (a energia veio não sei de onde) e ele saiu escorregando!!!
imediatamente, vânia colocou aquele neném quentinho, vermelho e muito pequenino em
cima da minha barriga!
quanta energia concentrada! nunca vi nada parecido com isso.
eu só pude falar: “meu deus! o que é isso?!!” olhei pro lado e vi o urs emocionado. um
sentimento sem nome, sem tamanho. eu disse:
– “ajudem ele a respirar!”
a iara disse:
– “entao respira você, porque ele ainda está ligado ao cordão umbilical!”
nessa hora, respirei de verdade. talvez, como nunca. alimentei meu pequeno tesouro de
oxigênio, preparando ele pro corte do cordão. RESPIREI CONSCIENTE.
logo, veio o grito dele acompanhado de choro. que voz infinita!
tocou meu ser de um jeito… sem palavras. um alívio tremendo no meu corpo e alma.
16min depois, a placenta veio inteira e fui tomada por uma energia incrível, jamáis
experimentada. esperamos os pulsamentos da placenta pararem naturalmente e ao urs foi
dada a tesoura pra cortar o cordão.
elas fizeram todos os testes, peso e medidas com ele ali, no quentinho da mamãe, deitado
sobre minha barriga. o papai fazia carinhos leves com aquele olhar de amor puro.
nunca vi o urs tão lindo. o amor embeleza mesmo as pessoas, ainda mais os que já são
bonitos! (risos)
levantei da cama 30min depois, me vesti e acompanhei o primeiro banho daquele anjinho
vermelho de olhos puxados!
tomei meu banho também. sozinha, chorando gargalhando muito de felicidade. naquela
chuveirada sim, pude soltar toda a minha emoção sem nome! que mulherão surgiu com aquilo
tudo!
saí do banho pronta pra um “carnaval”. digo isso, porque fui tomada por uma força que eu
nem imaginava. que cansaço que nada, a felicidade me trouxe energia e disposição!
preparei um lanchão pra todos e uma deliciosa jarra gigante de suco de maracujá fresco,
perfumando o ambiente com aquele amarelo inesquecível.
ao terminar o lanche, perguntei pras HANAMIGAS (forma carinhosa como a equipe de
enfermeiras obstetras HANAMI são chamadas em florianópolis:
– “na hora da expulsão do SAFIR, porque vocês estavam empurrando minha barriga pra cima e
não pra baixo?”
iara respondeu:
– “é que a cada contração o bebê ao invés de ir pra baixo, ia pra frente, então tivemos que
fazer esta manobra pra virá-lo de volta pra posição correta de saída.”
a vânia completou:
– “se vc estivesse num hospital, certamente iriam fazer uma cesariana por conta disso.”
gente! que maravilha parir em casa, com aquelas “deusas” parteiras…
à noite, jantamos juntinhos (eu, urs e safir dormindo ali em cima da mesa): uma enorme
salada verde com pizza integral feita pelo papai. Hummm esse é o amor que eu nasci para
conhecer.
agora posso dizer que existo verdadeiramente.

ass:
priscila mulher mãe… desde 09/02/2010.
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2 pensamientos en “Relato da Priscila

  1. Ana Escudo Autor de la entrada

    Pri, teu relato é forte e muito bonito. Todo nascimento cuidado, amado e respeitado é realmente lindo!
    Um grande beijo e obrigada por compartilhar 😀

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